domingo, 29 de outubro de 2006

Apontamentos de um preceptor (1)

Da leitura da "constituição de Hipodamus":

1) na polis aristotélica andar armado seria uma condição necessária de cidadania?

2) deverá a polis oferecer "honras" aos que descobrem algo vantajoso para ela?
Aristóteles recomenda prudência. Os perigos são a introdução de informadores e a alteração inusitada das leis da politeia. A alteração das leis por si não é má, as razões é que podem ser. Por comparação com a medicina, a física e as artes (skill/tecnhe) em geral, onde a mudança (de métodos e de técnicas) é benéfica, somos levados a pensar que, uma vez a "cidadania (statesmanship/politiké) deve ser vista como uma destas" (1268b38), o mesmo se lhe aplica e até mesmo as leis escritas não devem ser imutáveis. Também aqui, como nas ciências, seria impossível "escrever toda a organização da politeia" (os princípios são gerais, as acções dependem de circunstâncias particulares).
Mas, de outro ponto de vista, diz-nos Aristóteles, que é preciso pesar a relação custos/benefícios entre o hábito de se mudar constantemente as leis e o valor da própria lei. É melhor ser tolerante para com os erros dos políticos do que ficar habituado à mudança constante das leis, pela razão de que isso enfraquece o poder da lei. Há uma diferença significativa entre a alteração das artes e a alteração das leis, estas só pelo hábito garantem obediência. Aristóteles termina com interrogações: todas as leis podem ser mudadas? E em todos os tipos de politeia? E quem deve realizar a mudança?

3) comentários de Strauss (pp. 17-20); o erro de Hipodamus foi querer compreender todas as coisas à luz da simplicidade das tríades, não prestando atenção "ao carácter peculiar das coisas políticas", nem percebendo que elas formam uma classe em si.
O facto de, no início do capítulo, Aristóteles fazer - pela única vez em todo o livro - alusões a boatos acerca da vida de Hipodamus e de expor o ridículo de "querer ser um perito em todas as coisas naturais" teria o razoável propósito de anunciar o referido erro. Não pode pois Hipodamus ser o fundador da filosofia política porque nunca chegou a colocar a questão 'o que é a política?'. E a sua ridicularização revela que a "filosofia política é mais questionável do que a filosofia em si" pois o primeiro filósofo foi ridicularizado por uma escrava bárbara e o suposto primeiro filósofo político foi ridicularizado por todos os "homens livres".

domingo, 22 de outubro de 2006

Apontamentos de um preceptor

Como iniciar o estudo da Política de Aristóteles?

lendo:

"Segue-se que a polis pertence à classe dos objectos que existem por natureza e que o homem é, por natureza, um animal político (politikón zôon). (...) animal político num sentido que as abelhas, ou todos os outros animais que vivem reunidos, não são". tr. de 1253a1-3, 1253a7-8, Aristotle, The Politics, (Penguin Classics).

Começando pela oposição entre Phusis/natureza/essência e nomos/lei/contingência, descubra-se, seguindo a orientação de Leo Strauss, o modo como Aristóteles valoriza e justifica o domínio da política (do homem político por natureza) e dá continuidade à crepuscular ciência política de Hipodamus.


Mas não é a política o domínio do contingente e a natureza o domínio do essencial?

Como pode a política ser natural?

Comece-se pelo livro II, viii, designado "a constituição de Hippodamus", 1267b22 até 1269a28, que foi o primeiro a pensar sobre a "melhor ordem política". A ordem natural?

Depois, livro III, x e xi, 1281a 16, b18, para perceber o porquê de "a mais fundamental discussão da Política, incluir aquilo que é quase um diálogo entre um oligarca e um democrata" (Strauss, p. 21)

sábado, 21 de outubro de 2006

Boas razões para estar em Lisboa


doclisboa, em particular a retrospectiva Amos Gitai
com "master class"


"(...) Falou em bombardeamento dos media. Vai começar a rodar uma ficção sobre a retirada de Gaza. Quando a retirada aconteceu, o que fez?

Nós, colectivamente, israelitas e palestinianos, temos colaborado – e uso esta palavra, que tem um sentido de "colaborador", deliberadamente – na intoxicação da nossa imagem. O que quer dizer que achamos que é útil para nós usar o nosso sofrimento, as nossas perdas como argumentos políticos. Criamos facilidades de acesso a todos estes terríveis sofrimentos dos dois lados. E a não ser que decidamos ser um pouco responsáveis, não andaremos para a frente. Somos parceiros nesta infindável "soap opera" das notícias. E as notícias são cínicas porque precisam das audiências. Nos seus gabinetes confortáveis de Jerusalém, receberão as bombas de Telavive ou de Gaza e irão montá-las de acordo com a redacção em Paris, Portugal, América, Palestina ou Israel querem. [sic]

Estou a falar de televisão, não da imprensa escrita. Nos anos 70 ou 80 a televisão teria aberto uma janela para compreendermos algo, agora é mero intertenimento.

O Médio Oriente, e especialmente o conflito israelo-palestiniano, consome dois terços de todas as notícias internacionais. Estamos habituados a que seja assim. Portanto, ninguém se rala com o Darfur, a Indonésia, a Tchetchénia.

O pico da última Intifada durou quatro anos. O pico da guerra da Jugoslávia durou quatro anos. Na Jugoslávia, 250 mil pessoas foram mortas, mulheres foram violadas, aldeias foram destruídas. Na Intifada, dos dois lados, três mil pessoas foram mortas. É muita gente, muitas biografias, mas não é um quarto de milhão. Nenhum palestiniano violou israelitas, nenhum israelita violou palestinianas, as duas sociedades mantêm fronteiras invisíveis que ainda não foram atravessadas. E se formos por qualquer rua da Europa perguntar qual é a guerra mais terrível, a jugoslava ou a israelo-palestiniana, em termos de vítimas, toda a gente dirá que é a israelo-palestiniana.

Qual é a sua explicação para isso?

Em parte porque a Europa se sente culpada em relação aos judeus, aos acontecimentos da II guerra e quer que os judeus sejam piores do que experimentaram nos anos 40. (...)"

(Amos Gitai excerto da entrevista ao Y, jornal Público, 20 Outubro 2006)