terça-feira, 15 de outubro de 2013

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

As raízes do descontentamento

"A principal razão pela qual é tão difícil alcançar a felicidade é o facto de o universo não ter sido
concebido a pensar no conforto dos seres humanos. É quase incomensuravelmente grande e, na generalidade, de um vazio hostil e frio. É cenário de grande violência quando, por exemplo, uma estrela explode deixando em cinzas tudo o que se encontra à sua volta. O único planeta cujo campo gravitacional não nos esmagaria está, provavelmente, envolto num mar de gases letais. Mesmo o planeta Terra, que pode ser tão idílico e pitoresco, não oferece garantias de segurança. Para nele sobreviverem, os homens e mulheres tiveram de lutar durante milhões de anos contra o gelo, o fogo, as inundações, as feras e os microorganismos invisíveis que surgem do nada para nos aniquilar.
Parece que cada vez que conseguimos evitar um perigo iminente, uma nova e mais sofisticada ameaça surge no horizonte. Assim que inventamos uma substância nova já os seus subpropdutos contaminam o ambiente. Através da história, armas concebidas para garantir segurança inverteram o seu desígnio ameaçando destruir quem as construiu. Dominamos certas doenças e logo surgem nova patologias mais virulentas; e se, temporariamente, reduzimos a mortalidade, começamos a preocupar-nos com a superpopulação. Os quatro soturnos cavaleiros do Apocalipse nunca andam longe. A Terra pode ser a nossa única morada mas é um lar cheio de armadilhas prontas a saltar a qualquer momento.
Não é que o universo seja aleatório num sentido matemático abstracto. Os movimentos das estrelas, as transformações de energia que nele ocorrem são facilmente previsíveis e explicáveis. Mas os fenómenos naturais não têm em conta os desejos humanos. São surdos e cegos relativamente às nossas necessidades e, por conseguinte, são aleatórios, em contraste com a ordem que tentamos estabelecer através dos nossos objectivos. Um meteorito em rota de colisão com Nova Iorque pode estar a cumprir as leis do universo mas não deixará por isso de ser um terrível inconveniente. O vírus que ataca as células de um Mozart não está a fazer mais do que o que lhe compete, apesar de infligir uma dura perda para a humanidade. «O universo não é hostil nem, tão pouco, amistoso», disse J. H. Holmes. «É simplesmente indiferente»"

                                     Mihaly Csikszentmihalyi, Fluir, (tr. M. A.), Relógio D´Água, 1999, pp.26-27